Sousa chegou para o trabalho em meio ao tumulto de vários protestos e ruas bloqueadas. Com isso, seu tempo de deslocamento habitual foi maior e ele precisou agilizar seu ritual diário. Tirou o uniforme da mochila, passou o ferro a vapor e se vestiu conforme as regras que aprendera no quartel. Ah sim, também teve que dar uma nova lustrada nas botas e tirar alguns pelos soltos da barba, que insistiam em crescer a cada dois dias.
— Sentido! — Comandou o superior.
Iniciava ali o agrupamento de todos que fariam parte da cerimônia de posse do novo presidente do Brasil. O batalhão de Sousa ficou responsável pela segurança da caravana oficial no trajeto até a catedral e de lá até o congresso. Algo que não deveria ser preocupante, se não estivéssemos vivendo naquele contexto de brigas ideológicas.
Por onde eles passavam alguns, mesmo civis, batiam continência. No começo Everton respondeu, mas depois de um tempo passou a ignorar tais cumprimentos feitos de forma fora de contexto ou protocolo. Já em sua moto, uma Harley Davidson Police Road King, ele colou as luvas, o capacete e a manobrou para frente dos demais. Em seguida abriu a parte da frente do capacete para cima e discursou brevemente.
— Senhores, a nossa missão de hoje é independente das crenças pessoais. Estamos aqui para proteger vidas e conduzir a civilidade. A formação é mesma que treinamos nas últimas semanas e nenhum tipo de desvio será permitido. Não nos cabe defender nenhum posicionamento ideológico ou partidário. Reforço que tais demonstrações acarretarão punição, com perda dos privilégios que os senhores sabem que tem. Todos de acordo!?
— Capitão, a manobra delta… — Falava o terceiro sargento novato, quando foi interrompido pelo subtente puxa-saco.
— Claro que não sargento. Somente a Zeta!
Muitos riram, mas Sousa se manteve calmo e sério. O tempo quente de Brasília o incomodava e se não fosse a baixa humidade, certamente o suor estaria lhe escorrendo pela testa naquele momento. Ele respirou fundo e concluiu sua fala de forma ditatorial.
— Quietos! Se concentrem na missão. Não faremos nenhuma manobra fora do combinado e mantenham o planejado, mesma coisa para as contingências. Vamos, em posição! O presidente está entrando no carro.
Motores ligados, o cheiro de gasolina e as motos se posicionaram a frente, nas laterais e atrás do SUV preto e fortemente blindado. O caminho até a catedral não apresentou nenhuma ameaça ao comboio. Alguns se manifestaram com cartazes, outros faziam sinal de arminha com os dedos. Muitos simplesmente vaiavam e a grande maioria celebrou. Além disso, nenhuma manifestação de violência se percebeu no caminho até a catedral.
No caminho de volta uma das motos teve problema e a parte de trás do comboio ficou parcialmente desprotegida. A manobra de contingência foi aplicada, mas não foi suficiente para conter a massa de pessoas que se aproximou do SUV na chegada ao planalto.
Sousa recebeu o aviso no rádio e junto dos demais seguranças e oficiais agilizou a descida do presidente e vice. Na lembrança, ficou a ajuda prestada a uma mulher de muletas, um índio de sunga vermelha que abraçou o presidente e a Marina. Uma menina, com pouco mais de 3 anos que vestia a camiseta amarela da seleção e praticamente foi jogada para o presidente.
Com a ajuda dos assessores e um bom acordo com os pais a menina foi carregada o colo prelo próprio chefe do executivo. A foto com ela estampou a maioria das matérias ao longo daquela primeira semana do ano.